Groundhog Day - Minha Primeira Grande Navegação
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Groundhog Day - Minha Primeira Grande Navegação
Em “Groundhog Day”, que recebeu no Brasil o nome de “Feitiço do Tempo”, Bill Murray faz o papel de um repórter responsável pelas previsões do tempo num telejornal. O que ele mais odeia no emprego é ir todo inverno para uma cidade distante cobrir uma festa tradicional, o Dia da Marmota. E é exatamente nesta cidade e neste dia que tanto detesta, que ele acaba ficando preso. Misteriosamente, preso. Ele acorda sempre na mesma hora. No mesmo lugar. No mesmo dia.
A VOLTA
Esse filme, “Feitiço do Tempo”, não saía da minha cabeça no retorno da minha primeira navegação mais longa (RIO - PORTO SEGURO - RIO).
A preparação para a viagem e a ida ocorreram, como vou descrever mais tarde, de maneira quase perfeita. A volta é que foi o problema. Me senti o próprio Bill Murray no Dia da Marmota.
Dia 6 de maio de 2005, 6 horas da manhã (09:00Z), eu e meu “copila”, CMTE Rocha, já estávamos no aeroporto de Porto Seguro. Fomos recebidos no Embarque como tripulantes de MD11, apesar de estarmos em um modesto ultraleve P96S (Golf). “Comandante, precisamos colocar suas malas no Raio-x”. “Comandante, vamos chamar uma viatura para levá-los à aeronave”. Comandante pra lá e comandante pra cá, eu estava todo prosa e nem tinha noção do que estava me aguardando um pouco mais à frente.
Decidi decolar de imediato e abastecer em Caravelas, mais ou menos a uma hora de SBPS. Plano de vôo feito e autorizada a decolagem partimos para a primeira perna que ocorreu sem problema algum. O pessoal de Caravelas, como aconteceu na ida, nos recebeu muito bem na sala AIS. Com muita cordialidade e disposição para ajudar.
Chegamos ao aeródromo. Quando a chuva deu uma pequena pausa, carregamos o avião com todo nossa tralha e fizemos a externa. “Vamos deixar tudo pronto para decolar. Quando o tempo abrir, ligamos para o serviço de meteorologia de Vitória. Se as condições forem boas, partimos sem perder tempo”, disse eu cheio de esperança. Ligávamos tanto para o “meteoro” de Vitória que a turma de lá já conhecia a gente pelos nomes.
Comando descolou um café e disse para ficarmos à vontade, que podíamos dormir no sofá. “Esse aeroporto só funciona um dia por semana, quando aparece uns helicópteros para colocar querosene”. São Mateus não tinha AVIGÁS.
Só às três da tarde São Pedro pareceu ter ficado com dó e um clarão abriu sobre a pista. Na proa de Vitória, o céu continuava cinza, só que mais claro. O meteoro de Vitória disse que o aeroporto operava em condições visuais, com nuvens esparsas a 2500 pés. Disse que olhando para a minha proa, as coisas pareciam bem e me deu dois conselhos: “venha pelo litoral que está melhor e se chegar próximo a fábrica da Aracruz lembre-se que há uma pista particular ali, no caso de dificuldades de prosseguir viagem ou de retornar”. Foi uma das lições da viagem. Não peça apenas o METAR. Converse com as pessoas. Podem aparecer dicas muito úteis.
Decolamos. Fomos para o litoral e o tempo estava bem razoável. Com pequenos cúmulos bem grudadinhos a 2000 pés. À medida que avançávamos, porém, as nuvens ficavam mais baixas. Teve um momento em que fomos obrigados a manter 300 pés sobre a areia da praia. E depois de 15 minutos de vôo, uma extensa e densa parede de chuva à frente estragou nossos planos. E lá fomos nós outra vez para São Mateus.
À noite, tive um sonho esquisito. Assim como Bill Murray no filme, sonhei que nunca mais sairia de São Mateus. E que depois de alguns anos, acabaria casando e tendo três filhos. Iria toda manhã para o aeroporto com a intenção de decolar, mas a chuva impediria. Até que um dia, o céu estaria azul sem nenhuma nuvem. Eu acionaria e alinharia o avião. Mas antes de decolar, vendo três narigudinhos me dando adeus na beira da pista, eu iria desembarcar e destruir a aeronave. Acordei pulando da cama. Morar pra sempre em São Mateus, destruir o avião e ter 3 filhos com a minha aparência era muita desgraça junta.
Eram duas da manhã e eu ainda estava fumando na janela do hotel, enquanto o Rocha testava os magnetos. (Roncava muito). Da janela, a vista não era grande coisa. Apenas uma parede a 1 metro de distância. Mas esticando o pescoço era possível ver o céu. Agora, não estava mais angustiado em passar o Dia das Mães longe da Dona Maria do Carmo, nem em faltar o trabalho depois de uma semana de folga.
Estava muito tenso com a gasolina. Na sexta, havia passado por São Mateus e retornado depois. No sábado, outra tentativa frustrada desperdiçando mais meia hora de gasolina. Agora, tinha o suficiente nos tanques para voar 2 horas e Vitória estava a uma hora e meia de vôo, com o vento sempre de proa.
Tinha ligado para o meu mecânico à tarde. Ele me aconselhou a colocar alguns litros de gasolina pódium. Expliquei que essa gasolina não havia chegado a São Mateus ainda. Ele disse, então, para tomar cuidado e não deixar nenhuma asa “zerar” o combustível. Me aconselhou a voar com apenas uma seletora aberta durante 50 minutos e depois trocar. Ou deixar as duas abertas e ficar atento para um engasgo do motor e, nesse exato momento, desligar a seletora da asa que costuma consumir mais.
Fiquei com medo de sofrer um ataque cardíaco no momento em que o motor engasgasse e, por isso, decidi pela primeira opção. “Vou voar com uma seletora de cada vez. E só vou decolar se o tempo estiver formidável, sem chances de surpresas no caminho”.
Domingo. Mais uma vez estávamos de pé às 5h30, local, e mais uma vez o Comando nos aguardava. Era mesmo o Dia da Marmota. Tudo acontecia sempre da mesma maneira. Já no aeródromo, liguei pro meteoro de Vitória, que disse: “Pode vir. Hoje, não tem como. As nuvens mais baixas estão acima de 4 mil pés e acabou de chover. É impossível ter precipitação nas próximas horas, eu garanto”. Comando estava tão feliz por nós que ficamos emocionados. Dei um baita abraço nele e uma boa gorjeta que ele não queria aceitar de jeito nenhum. Coloquei o dinheiro no bolso dele e corri pro avião.
Decolamos. Vôo tenso. Silêncio na nacele. Passamos por Linhares. Tempo bom na frente, prosseguimos. Passamos pela pista da fábrica da Aracruz, já bem próximo de Vitória, e ainda não havia trocado de seletora. Dava pra chegar.
Uma hora depois da decolagem estávamos 5 minutos fora do tráfego de SBVT. O controle nos solicitou um 360 no litoral devido ao procedimento de aproximação de um Boeing. Havia optado por SBVT por ficar cerca de 10 minutos antes do aeroclube de João Monteiro. Mas com essa história de fazer um 360, consultei o GPS e estava há apenas 7 minutos do aeroclube e a gasolina seria suficiente. Pedi para alternar. Encaixei uma final longa. Vento calmo, pouso macio. Quase beijei o chão. A pista ainda estava molhada pelas chuvas, mas o céu estava claro.
Primeira providência: liguei pro meteoro de Vitória e contei que havíamos conseguido. O pessoal comemorou. Eles realmente estavam torcendo por nós, até porque não deviam agüentar mais nossos telefonemas. Pedi o METAR do restante do percurso e me pediram para ligar 10 minutos depois. Fomos abastecer. Só havia sobrado 5 litros de AVIGAS em cada asa.
Falei para o Rocha: “Aqui temos hangar para o ultraleve ficar guardado, estamos a pouco tempo de táxi do aeroporto, caso tenhamos que voltar de avião comercial. Só saio daqui se estiver CAVOK em todos os aeroportos até o destino”. Ele concordou, mas disse que CAVOK em tudo, só um milagre.
O milagre aconteceu. Contrariando todas as previsões de tempo que vimos no dia anterior, Macaé, Campos, Cabo Frio, Galeão e Santos Dumont estavam com visibilidade maior que 10 mil quilômetros, sem nuvens abaixo de 5 mil pés. Decolamos, FL085, e duas horas depois aterrisamos em Cabo Frio. Fumei um cigarro e fiz o plano de vôo, enquanto Rocha abastecia o avião. Decolamos logo depois.
Coloquei uma musiquinha do U2 no ipod, que fica ligado ao intercom, e 50 minutos depois estávamos no Clube CEU. E, antes, ainda ganhamos um presente: na Boca da Barra um grande avião decolava escoltado por uma esquadrilha de caças. Uma bela visão.
As lições que tivemos no retorno desta viagem foram as seguintes: na nossa aviação é impossível fazer um passeio mais longo com data para voltar. Se há dúvida sobre prosseguir, não prossiga. Você pode gastar combustível à toa.
E outra: acredite em Deus. Estava desesperado com possibilidade de dormir mais um dia em São Mateus e ter que faltar ao trabalho na segunda-feira. As previsões não eram animadoras. E ainda assim, naquela manhã de domingo, parecia que o céu estava azul em todo o Brasil.
A IDA
A viagem de ida para Porto Seguro foi planejada no dia anterior. Fizemos a navegação pelas cartas e pelo GPS. Sempre conferindo as proas e os estimados. No dia seguinte, dia 3 de maio, tiramos o METAR e o TAF de todos os aeroportos até o destino. As condições não estavam muito boas e tivemos que adiar a hora da decolagem. Desde 7 horas da manhã no CEU, só conseguimos tirar os pés do chão depois do meio dia, o que nos obrigou a dormir em um simpático hotel próximo ao aeroclube de João Monteiro, no Espírito Santo.
Quarta-feira, 4 de maio. Tudo ocorreu bem. Só em Porto Seguro decidimos modificar um pouco as coisas. Em vez de aterrisar no Outeiro das Brisas, decidimos prosseguir para SBPS e economizar dinheiro num hotel mais barato. O pouso em Porto Seguro foi muito complicado. Vento de través de 18 nós com rajadas. Tive que arremeter e só consegui pousar na segunda vez. Já no pátio, o piloto de um Seneca reclamava da dificuldade do seu pouso.
Eu disse apontando para o nosso ultraleve: “Se foi ruim pra você, imagine pra mim”. “Não acredito que você conseguiu pousar aqui com essa coisa”, disse ele. Conversando com o Coelho, um piloto da Bahia que faz manutenção da sua aeronave - um ECHO SUPER - no Clube CEU, soube que vento de través ali era normal. E que no verão a coisa é até pior.
Foi no aeroporto de Porto Seguro também que conhecemos um empresário, proprietário de um Cessna 310. Seu piloto tem mais horas de vôo do que eu de vida. Os dois nos contaram uma história incrível: no meio de uma tempestade perderam os dois motores da aeronave. O comandante sabia, através do mapa, que havia uma pista em lugar bem próximo. Conseguiram chegar só no planeio. E chegaram alto. O experiente piloto teve sangue frio para executar uma aproximação 180 na vertical de uma das cabeceiras e o pouso não causou danos nem a aeronave. Segundo o proprietário, o velhinho brevetado saiu do avião e ficou se jogando na lama com os braços estendidos para a frente, como se fosse o super-homem. Depois, os dois caminharam cerca de dois quilômetros até um pequeno bar, numa pequena cidade. O empresário comprou todas as bebidas do bar e ofereceu aos pinguços de plantão. A data do acidente, que aconteceu há 5 anos, até hoje é celebrada pelos dois como uma espécie de segundo aniversário.
Gondim- Aspirante
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Re: Groundhog Day - Minha Primeira Grande Navegação
Olá Gondim, reportagem muito boa, condizente com quem adora voar. Parabéns amigo
E muito obrigado pela ótima sugestão do filme , abraços
E muito obrigado pela ótima sugestão do filme , abraços
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Re: Groundhog Day - Minha Primeira Grande Navegação
Obrigado você, Inventor. Muito obrigado.
Gondim- Aspirante
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Re: Groundhog Day - Minha Primeira Grande Navegação
Parabéns pelo relato, gostei muito, e obrigado por compartilhar sua experiência conosco.
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