[Brasil] Risco o ar
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[Brasil] Risco o ar
Risco no ar
Explosão da demanda por passagens no País põe em risco a segurança de voo, diz pesquisador.
Piloto amador, o carioca Ivan Sant"Anna é diplomado em mercado de capitais pela Universidade de Nova York e trabalhou 37 anos na área, mas alçou seus voos mais altos como escritor. Fascinado pelos aspectos técnicos e pela dimensão humana das grandes tragédias da aviação brasileira, publicou pela editora Objetiva dois livros definitivos sobre o assunto. Caixa-preta (2000) investiga desastres ocorridos em 1973, 1988 e 1989. Perda total (2011) disseca os três acidentes que mais chocaram o País do fim da década de 90 para cá.
Com investigação detalhada e texto arrepiante, Sant"Anna revela a sucessão de erros que resultou na queda do Fokker-100 da TAM no bairro paulistano do Jabaquara, em 1996, o choque entre um Boeing-737 da Gol e um jato executivo sobre a floresta amazônica, em 2006, e a maior de todas as catástrofes: o Airbus-320 da TAM que se espatifou ao tentar pousar na pista de Congonhas, em 2007. A seguir, ele fala dos desafios que a atual demanda por transporte aéreo no País impõe para a segurança de voo.
Os perigos da expansão
"Primeiro, é preciso dizer que, nas grandes companhias, a possibilidade de se morrer em desastre de avião é de 1,4 acidentes fatais para cada 1 milhão de voos. É mais fácil ganhar na loto que morrer em desastre de avião. Por outro lado, não podemos esquecer que a enorme demanda por passagens aéreas no Brasil não foi acompanhada pela infraestrutura aeroportuária. Os aeroportos são insuficientes, os aeroclubes não dão conta de formar pilotos, faltam controladores preparados e a manutenção feita pelas companhias está mais relaxada, porque tem que voar, tem que cumprir. A aviação brasileira vive um boom maior que o da economia em geral. É inviável um setor se expandir 21% enquanto a economia cresce 5%.
Mercado concentrado
"A compra da Webjet pela Gol pode significar o fim da era das tarifas supereconômicas. Particularmente, acho que a tarifa está barata demais. Há um gargalo de demanda e os pilotos queixam-se comigo, em off, de que a escala de voo é exaustiva. No curto prazo, temos que diminuir o número de voos, ou pelo menos não deixar que aumentem. Mesmo que seja preciso subir o preço da passagem. Conforme a infraestrutura melhorar, podemos oferecer mais voos. Claro que as companhias aéreas detestam essa sugestão.
Causas e acidentes
"Vários fatores concorrem simultaneamente para que um acidente aconteça. O voo 402, que caiu no bairro do Jabaquara em 1996, por exemplo. Primeiro: os pilotos não eram treinados para enfrentar a situação de abertura do reverso em voo. Segundo: a Fokker Services tinha mandado desativar uma das três defesas que o avião possuía para o caso de abertura do reverso. Terceiro: os pilotos receberam uma mensagem errada de alarme, o que prejudicou sua reação.
A tragédia do 1907
"Criticou-se muito a sobrecarga do sistema aéreo brasileiro após a queda do Boeing-737 da Gol na Amazônia, que colidiu com um Legacy. Só que aquele dia o tráfego aéreo não estava intenso e o clima na torre de comando era até monótono. O maior fator foi a total incapacidade daqueles pilotos americanos em levar o avião. Negligência e imperícia, pois eles treinaram poucas horas e não sabiam pilotar um Legacy, o que fica claro nas gravações da cabine. O avião ficou 54 minutos avisando que o transponder (dispositivo automático que transmite dados como a altitude e localização da aeronave) estava desligado e nem Joe Lepore nem Jan Paladino perceberam.
O plano de voo que receberam também estava certo: eles não devem tê-lo lido. Ainda assim, não se pode atribuir a culpa só aos dois. Ela se deve, digamos em 40%, aos controladores de voo também, que não perceberam nada. Há um problema seriíssimo de língua. Nossos controladores falam um inglês péssimo e os pilotos americanos não fazem a menor questão de se comunicarem de maneira pausada e clara. Então, um finge que disse e o outro, que entendeu. A formação deficiente dos controladores é outro problema de infraestrutura. Leva-se quatro, cinco anos para se formar um profissional desses e os salários são baixos para atrair quem fala inglês fluente.
A queda do 3054
"O título do capítulo que escrevi sobre o acidente foi "Tragédia Anunciada", mas se tivesse dito "Programado para Cair" não seria exagero. O Airbus-320 da TAM estava lotado e tinha os tanques de combustível cheios por causa do que eles chamam em aeronautiquês de "abastecimento econômico" - como o ICMS sobre combustível em Porto Alegre é mais barato que em São Paulo, ele vem com gasolina excedente para usar num próximo voo. A companhia desincentivava os pilotos a irem a um aeroporto alternativo, como Guarulhos, ou a arremeter - no que os pilotos da casa chamam de "doutrina TAM".
Nada disso é ilegal, mas imprudente num dia de chuva como aquele. Ainda mais porque a pista tinha sido repavimentada, liberada antes do grooving (ranhuras no piso que aumentam a aderência dos pneus no pouso) e estava um sabão. E o reverso daquele avião estava "pinado", ou seja, desativado, aguardando manutenção, o que não interdita o voo mas reduz seus recursos. Então, os pilotos cometeram o erro de manter a manete esquerda em idle (ponto morto) e a direita em climb (aceleração). O computador não entendeu o que havia e aconteceu a catástrofe.
Homem versus máquina
"Pilotos mais velhos acham que os Boeings são melhores pois os deixam pilotar; os mais novos preferem o Airbus, que "voa sozinho". Como há uma estatística que mostra que a maior parte dos acidentes de avião são causados por falha humana, a teoria da Airbus é que vale mais apostar na automatização. Por isso os sequestradores do 11 de setembro escolheram quatro Boeings: dificilmente um Airbus aceitaria aquelas manobras, o computador iria "se revoltar". Nos últimos anos, os Boeings têm levado vantagem no índice de fatalidades. O Airbus da Air France 447 caiu no Atlântico em 2009 após uma pane completa dos computadores. Tenho a impressão de que aos poucos vai se chegar a um consenso: nem tanta automação, nem tanto poder ao piloto. O mais importante é que os acidentes criam novas rotinas e acabam por aperfeiçoar a segurança de voo."
Fonte: O Estado de São Paulo
Via: Direto da Pista
Explosão da demanda por passagens no País põe em risco a segurança de voo, diz pesquisador.
Piloto amador, o carioca Ivan Sant"Anna é diplomado em mercado de capitais pela Universidade de Nova York e trabalhou 37 anos na área, mas alçou seus voos mais altos como escritor. Fascinado pelos aspectos técnicos e pela dimensão humana das grandes tragédias da aviação brasileira, publicou pela editora Objetiva dois livros definitivos sobre o assunto. Caixa-preta (2000) investiga desastres ocorridos em 1973, 1988 e 1989. Perda total (2011) disseca os três acidentes que mais chocaram o País do fim da década de 90 para cá.
Com investigação detalhada e texto arrepiante, Sant"Anna revela a sucessão de erros que resultou na queda do Fokker-100 da TAM no bairro paulistano do Jabaquara, em 1996, o choque entre um Boeing-737 da Gol e um jato executivo sobre a floresta amazônica, em 2006, e a maior de todas as catástrofes: o Airbus-320 da TAM que se espatifou ao tentar pousar na pista de Congonhas, em 2007. A seguir, ele fala dos desafios que a atual demanda por transporte aéreo no País impõe para a segurança de voo.
Os perigos da expansão
"Primeiro, é preciso dizer que, nas grandes companhias, a possibilidade de se morrer em desastre de avião é de 1,4 acidentes fatais para cada 1 milhão de voos. É mais fácil ganhar na loto que morrer em desastre de avião. Por outro lado, não podemos esquecer que a enorme demanda por passagens aéreas no Brasil não foi acompanhada pela infraestrutura aeroportuária. Os aeroportos são insuficientes, os aeroclubes não dão conta de formar pilotos, faltam controladores preparados e a manutenção feita pelas companhias está mais relaxada, porque tem que voar, tem que cumprir. A aviação brasileira vive um boom maior que o da economia em geral. É inviável um setor se expandir 21% enquanto a economia cresce 5%.
Mercado concentrado
"A compra da Webjet pela Gol pode significar o fim da era das tarifas supereconômicas. Particularmente, acho que a tarifa está barata demais. Há um gargalo de demanda e os pilotos queixam-se comigo, em off, de que a escala de voo é exaustiva. No curto prazo, temos que diminuir o número de voos, ou pelo menos não deixar que aumentem. Mesmo que seja preciso subir o preço da passagem. Conforme a infraestrutura melhorar, podemos oferecer mais voos. Claro que as companhias aéreas detestam essa sugestão.
Causas e acidentes
"Vários fatores concorrem simultaneamente para que um acidente aconteça. O voo 402, que caiu no bairro do Jabaquara em 1996, por exemplo. Primeiro: os pilotos não eram treinados para enfrentar a situação de abertura do reverso em voo. Segundo: a Fokker Services tinha mandado desativar uma das três defesas que o avião possuía para o caso de abertura do reverso. Terceiro: os pilotos receberam uma mensagem errada de alarme, o que prejudicou sua reação.
A tragédia do 1907
"Criticou-se muito a sobrecarga do sistema aéreo brasileiro após a queda do Boeing-737 da Gol na Amazônia, que colidiu com um Legacy. Só que aquele dia o tráfego aéreo não estava intenso e o clima na torre de comando era até monótono. O maior fator foi a total incapacidade daqueles pilotos americanos em levar o avião. Negligência e imperícia, pois eles treinaram poucas horas e não sabiam pilotar um Legacy, o que fica claro nas gravações da cabine. O avião ficou 54 minutos avisando que o transponder (dispositivo automático que transmite dados como a altitude e localização da aeronave) estava desligado e nem Joe Lepore nem Jan Paladino perceberam.
O plano de voo que receberam também estava certo: eles não devem tê-lo lido. Ainda assim, não se pode atribuir a culpa só aos dois. Ela se deve, digamos em 40%, aos controladores de voo também, que não perceberam nada. Há um problema seriíssimo de língua. Nossos controladores falam um inglês péssimo e os pilotos americanos não fazem a menor questão de se comunicarem de maneira pausada e clara. Então, um finge que disse e o outro, que entendeu. A formação deficiente dos controladores é outro problema de infraestrutura. Leva-se quatro, cinco anos para se formar um profissional desses e os salários são baixos para atrair quem fala inglês fluente.
A queda do 3054
"O título do capítulo que escrevi sobre o acidente foi "Tragédia Anunciada", mas se tivesse dito "Programado para Cair" não seria exagero. O Airbus-320 da TAM estava lotado e tinha os tanques de combustível cheios por causa do que eles chamam em aeronautiquês de "abastecimento econômico" - como o ICMS sobre combustível em Porto Alegre é mais barato que em São Paulo, ele vem com gasolina excedente para usar num próximo voo. A companhia desincentivava os pilotos a irem a um aeroporto alternativo, como Guarulhos, ou a arremeter - no que os pilotos da casa chamam de "doutrina TAM".
Nada disso é ilegal, mas imprudente num dia de chuva como aquele. Ainda mais porque a pista tinha sido repavimentada, liberada antes do grooving (ranhuras no piso que aumentam a aderência dos pneus no pouso) e estava um sabão. E o reverso daquele avião estava "pinado", ou seja, desativado, aguardando manutenção, o que não interdita o voo mas reduz seus recursos. Então, os pilotos cometeram o erro de manter a manete esquerda em idle (ponto morto) e a direita em climb (aceleração). O computador não entendeu o que havia e aconteceu a catástrofe.
Homem versus máquina
"Pilotos mais velhos acham que os Boeings são melhores pois os deixam pilotar; os mais novos preferem o Airbus, que "voa sozinho". Como há uma estatística que mostra que a maior parte dos acidentes de avião são causados por falha humana, a teoria da Airbus é que vale mais apostar na automatização. Por isso os sequestradores do 11 de setembro escolheram quatro Boeings: dificilmente um Airbus aceitaria aquelas manobras, o computador iria "se revoltar". Nos últimos anos, os Boeings têm levado vantagem no índice de fatalidades. O Airbus da Air France 447 caiu no Atlântico em 2009 após uma pane completa dos computadores. Tenho a impressão de que aos poucos vai se chegar a um consenso: nem tanta automação, nem tanto poder ao piloto. O mais importante é que os acidentes criam novas rotinas e acabam por aperfeiçoar a segurança de voo."
Fonte: O Estado de São Paulo
Via: Direto da Pista
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