Do 'Hornet' ao 'Super Hornet'
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Do 'Hornet' ao 'Super Hornet'
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A substituição do Vought A-7 Corsair II pelo McDonnell Douglas F/A-18A Hornet trouxe mudanças significativas para os esquadrões de ataque leve da Marinha dos Estados Unidos (USN) no início da década de 1980
A substituição do Vought A-7 Corsair II pelo McDonnell Douglas F/A-18A Hornet trouxe mudanças significativas para os esquadrões de ataque leve da Marinha dos Estados Unidos (USN) no início da década de 1980. Uma dessas mudanças foi a capacidade de unir as funções de caça de superioridade aérea e ataque (naval ou terrestre) em uma mesma aeronave de forma bastante eficiente graças aos avanços da tecnologia.
Em pouco tempo o Hornet mostrou ser um avião ágil, versátil e de alta disponibilidade. Mais do que isso. Ele mostrou o caminho para as gerações seguintes de caças polivalentes.
Em 1986 surgiu a versão C/D, com diversos melhoramentos tecnológicos e pouca mudança externa. Foi incorporada a capacidade de lançar mísseis AMRAAM e AGM-65 Maverick.
Três anos depois, foi incorporado um cockpit compatível com NVG (night vision goggles) e em 1994 o radar APG-65 passou a ser substituído pelo APG-73. Com isso o F/A-18 mostrou ser também uma aeronave que aceitava tranquilamente os avanços tecnológicos sem que sua forma básica fosse alterada. Pela facilidade de integração com novas tecnologias, o Hornet tornou-se a aeronave no inventário dos EUA de maior compatibilidade com armamentos aerotransportados.
Os pontos fracos
Já no início da carreira do F/A-18 os ex-pilotos de A-7 Corsair II, uma aeronave respeitada pelo seu alcance, notaram duas deficiências na aeronave, sendo uma relacionada ao raio de combate e outra à carga de armamentos. Além disso, ambas estavam intrinsecamente relacionadas. Na maioria das missões, dois pilones subalares eram ocupados por tanques de combustível. E, comumente, era necessário ocupar três estações com os tanques, deixando apenas outras duas para o transporte de armas ar-superfície. Vale lembrar que mísseis ar-ar ainda podiam ser carregados nos trilhos das pontas das asas (AIM-9) e nas duas reentrâncias da fuselagem (AIM-7 e AMRAAM) . Caso todos os cinco pilones (um na fuselagem e dois em cada asa) fossem ocupados por armas ar-superfície, um número bastante grande de reabastecimentos aéreos (dependendo da situação) era necessário.
A situação não era dramática, pois os grupamentos aéreos embarcados contavam sempre com um ou dois esquadrões de bombardeiros A-6 Intruder, que possuíam longo alcance, transportando uma quantidade respeitável de combustível e de armas. Muitos até apelidaram o Intruder de “mini-B-52″ durante a guerra do Vietnã.
A McDonnell-Douglas simplesmente aceitou as críticas e passou a trabalhar, por conta própria, no desenvolvimento de uma versão com maior capacidade interna de combustível a partir de 1983.
Em 1987 a USN iniciou os estudos de uma versão mais moderna do Hornet para preencher o vazio entre a atual geração de aeronaves de ataque e a geração em desenvolvimento (Advanced Tactical Aircraft/A-12 Avenger II). Esta aeronave deveria ter autonomia maior, capacidade de armas superior e estar disponível no final da década de 1990.
Em cooperação com o Naval Air Systems Command (NAVAIR), a McDonnell Douglas deu início ao programa “Hornet 2000”. Existiam basicamente dois estudos sendo o primeiro um conjunto de variantes da aeronave atual e o outro uma mudança radical do projeto. Para dividir os custos do programa, os aliados da OTAN foram procurados em 1988. A ideia era convencer os europeus de que o desenvolvimento do Hornet 2000 seria muito mais atrativo economicamente que a continuação dos programas EFA (posteriormente Eurofighter) e Rafale. Por questões políticas, uma vez que o lado econômico da oferta era bastante vantajoso, a proposta norte-americana foi desconsiderada e os dois programas europeus seguiram adiante.
Uma nova década, uma nova era
No início da década de 1990 veio a grande virada. As mudanças geopolíticas ocorridas no leste da Europa, que refletiram em todo o mundo, trouxeram novos desafios para a indústria de defesa. O fim da bipolaridade também enxugou os orçamentos de defesa e a USN não escapou ilesa. Os custos estratosféricos do futuro avião de ataque embarcado da USN não mais se justificavam e o programa do A-12 foi cancelado em janeiro de 1991. Com isso, o A-6 Intruder ficou sem um substituto imediato. Não sobraram muitas opções para a Marinha dos EUA.
Uma delas era produzir e/ou modernizar mais caças F-14 com capacidade de ataque terrestre, informalmente conhecido como “Bombcat”. O programa foi denominado “Quick Strike”, mas não passou da fase de estudo.
Um F-14 realizando lançamento de bombas de queda livre
O Tomcat sempre foi uma aeronave cara e dispendiosa. Em 1989, o preço de cada F-14 era estimado em U$ 50 milhões. Além disso, era um caça desenvolvido com tecnologia do final da década de 1960. Por último, o avião não contava com a simpatia do então Secretário da Defesa Dick Cheney.
Com o Tomcat fora do páreo, sobraram duas alternativas. A primeira delas era adquirir um caça no exterior que pudesse servir de ‘tampão’ até a chegada do AX (projeto que substituiria o A-12). Descartando os aviões russos, não sobraram muitas opções. Facilmente chegou-se à conclusão de que a única alternativa viável era o Dassault Rafale, cujo protótipo naval (Rafale M) voaria pela primeira vez em alguns meses.
A ideia do Rafale na USN era bastante razoável, em diversos aspectos. O interesse norte-americano poderia injetar mais recursos no programa, acelerando o desenvolvimento do caça. A USN teria então uma aeronave polivalente e moderna antes mesmo do ano 2000. O Rafale parecia ser uma opção ideal para preencher o “fighter gap” que existia até a chegada do AX.
Mas naquela época não era fácil para os Estados Unidos aceitarem um vetor desenvolvido e produzido fora do país. O momento político-econômico também não ajudava. Na primeira década de 1990, diversas empresas do ramo de defesa simplesmente sumiram ou sofreram processos de fusão com outras companhias. Milhares de postos de trabalho nos EUA foram cortados. Como explicar para o contribuinte norte-americano que a USN, ao invés de promover o desenvolvimento de caças no país, compraria caças no estrangeiro, gerando mais empregos do outro lado do Atlântico? Por essas razões, o Rafale nem foi cogitado pelo Departamento de Defesa. Repetiram-se, com os papéis invertidos, os mesmos acontecimentos de 1988, quando a proposta do Hornet 2000 foi descartada pelos europeus.
Nossa história volta então, justamente, ao Hornet 2000: além da opção por um caça naval de origem estrangeira, havia esse desenvolvimento do F/A-18 Hornet. Era um programa muito bem visto pela administração Bush (1989-1993) e o próprio secretário de defesa Dick Cheney declarava abertamente seu apoio ao projeto da McDonnell Douglas.
Desta forma, os estudos do Hornet 2000 foram acelerados e a designação F/A-18E/F passou a ser empregada tanto na imprensa como nos documentos oficiais. Em julho de 1991 Cheney deu a seguinte declaração:
“A modernização da aviação naval deve ser orientada segundo critérios financeiros. Selecionando o F/A-18E/F, nós estaremos não apenas considerando o desempenho e o valor unitário, mas também uma série de outros fatores que impactam o custo. Na análise final, o F/A-18E/F foi a solução mais evidente”
Já no ano fiscal de 1992 (com início em outubro de 1991 e término em setembro de 1992) uma quantia de U$250 milhões foi aprovada pelo Congresso dos EUA para o programa de desenvolvimento e pesquisa do F/A-18 E/F.
Quando os primeiros estudos foram apresentados, ficou claro que a proposta não era exatamente uma melhoria de uma aeronave existente. Tratava-se de um avião completamente novo. A McDonnell Douglas, a USN e o secretário de defesa tinham noção disso mas, para que todo o processo corresse de forma rápida e enfrentasse menor exposição e desgaste político, era necessário designar o programa como um “follow-on” (continuação) do Hornet. Por esse motivo foi mantida a designação F/A-18, acrescentando-se apenas o sufixo E/F e a palavra “Super” antes do nome do avião.
Não era fácil esconder um avião completamente novo debaixo de “alterações cosméticas” no nome e na designação. Alguns indivíduos, principalmente no Congresso, começaram a suspeitar do programa e uma auditoria interna do Departamento de Defesa teve início em dezembro de 1991.
Processo de aquisição de material de defesa nos EUA
Antes de darmos continuidade a o texto, é de extrema importância entender o processo de aquisição de material de defesa dos EUA e como isso afetou a credibilidade do programa do Super Hornet. Somente uma pequena introdução sobre o assunto será dada aqui, visto que o tema é bastante longo e abrangente.
Nos países desenvolvidos existem políticas para a aquisição de material de defesa. Na maioria deles, estas políticas são unificadas para as Forças Armadas. Nos EUA não é diferente. Lá, desde 1971 existe um conjunto de documentos, comumente conhecidos como “série 5000”, que governa estas aquisições. Os dois principais documentos são a diretiva DoD 5000.1 e a instrução DoD 5000.2.
Com o passar do tempo esses documentos foram revistos com o propósito de adaptá-los às mudanças. Uma das grandes modificações ocorreu exatamente em 1991, quando Cheney era o Secretário de Defesa e o Super Hornet foi escolhido como próximo caça naval de ataque.
Além dos dois principais documentos citados acima, foi criado o manual DoD 5000.2-M. A “série 5000”, que totalizava não mais do que 60 páginas, saltou para 900! Em grande parte, foram reunidas diretivas e instruções que faziam parte de documentos separados. Críticos desta revisão acusaram-na de ser extremamente rígida em seus critérios.
A “série 5000” define o ciclo de aquisição de um determinado equipamento. Em 1991, este ciclo era dividido em cinco etapas que avaliavam um determinado programa desde a sua concepção, passando pela produção e introdução em serviço até o seu processo de manutenção e operação (a revisão de 1991 excluiu a última etapa, que abrangia a modernização ou a substituição do equipamento).
Para novas aquisições, a ordem das etapas deveria ser respeitada. Para projetos em andamento que necessitavam apenas de atualizações e melhoramentos era permitido saltar etapas economizando-se tempo desde que certos requisitos fossem atendidos.
Voltando ao caso do Super Hornet, em julho de 1991 a Diretoria de Aquisição de Material de Defesa concluiu que o F/A-18 E/F poderia passar da etapa II para a etapa IV – desenvolvimento industrial. Esta decisão foi tomada sem que fosse apresentada uma análise de custo e operacional denominada COEA (Cost and Operational Effectiveness Analysis). Este estudo era mandatório segundo o recém aprovado manual DoD 5000.2-M.
Como a USN, apoiada pelo DoD, passava a imagem de que o F/A-18 E/F era uma evolução do F/A-18 C/D, na visão dela não havia necessidade da COEA. Em seu lugar, foi feito um estudo mais simples comparando-se as vantagens do Super Hornet com o Hornet. E este estudo simplificado foi aprovado por toda a cadeia de decisão da USN e do Departamento de Defesa.
Mas o Senado norte-americano não ‘engoliu’ os argumentos da dupla USN/DoD. Foi feita então uma auditoria interna no programa F/A-18 E/F. A auditoria, concluída em maio de 1992 e entregue no mês seguinte, além de levantar diversos pontos conflitantes, procedimentos não seguidos e / ou ignorados e etapas não cumpridas, descobriu o que todos já sabiam: o Super Hornet era outra aeronave que mantinha a mesma designação. Em uma de suas conclusões a auditoria afirmou que:
“(..) the F/A-18 E/F will not be a modification of existing aircraft but rather new production. Additionally, the changes are significant and comprehensive.(…)”
Dentre os diversos procedimentos e regulamentos ignorados, estava a COEA. Na COEA deveriam constar (ou não) todas as vantagens técnicas, operacionais e econômicas do F/A-18 E/F frente a alternativas (que não foram apresentadas), como uma versão do F-14 ou mesmo o Rafale-M.
No entanto, o estudo da auditoria não foi suficiente para convencer os congressistas e no quarto trimestre do ano fiscal de 1992 o programa foi aprovado. O contrato final de U$ 3,715 bilhões para o desenvolvimento do programa foi assinado no final de 1992.
De Hornet 2000 para Super Hornet
A proposta da McDonnell para substituir os A-6 Intruder previa uma aeronave que, externamente, possuía semelhanças com o antigo Hornet. Até por esse motivo o projeto deixou de lado o nome Hornet 2000 e passou a ser chamado de Super Hornet.
A verdade é que o Super Hornet é uma nova aeronave. Em primeiro lugar, somente 15% da sua estrutura é compatível com a da versão anterior. A maior parte das semelhanças estruturais está na parte anterior da fuselagem.
O comprimento total da aeronave é 1,2 metro maior que o seu antecessor. As asas foram completamente redesenhadas, ganhando uma área de 100 pés quadrados a mais. Com isso a quantidade de combustível interno aumentou e dois novos cabides para armamentos foram adicionados.
Por ser uma aeronave maior, toda a estrutura da fuselagem, o trem de pouso e outros componentes mecânicos ou estruturais foram alterados para suportarem o aumento do peso bruto da aeronave.
O sistema de controle de voo foi modificado para incorporar novas funções e controles do grupo propulsor. Além disso, a substituição dos motores F404 pelos F414 permitiu um aumento de 35% no empuxo e uma redução no consumo de combustível.
O programa de desenvolvimento seguiu como o esperado e o primeiro protótipo voou em 29 de novembro de 1995. Seguiram-se os ensaios em voo no ano seguinte. Entre fevereiro de 1996 e abril de 1999 os modelos iniciais foram submetidos a rigorosos testes denominados EMD (Engineering Manufacturing Development). O modelo E/F mostrou-se superior ao seu antecessor nos aspectos relacionados a raio de curva, razão de subida e aceleração em velocidades subsônicas. No entanto, no desempenho transônico/supersônico o velho Hornet leva vantagem. Em comum, os modelos C/D e E/F apresentam brusca desaceleração em manobras aéreas.
Problemas iniciais detectados
Um dos primeiros problemas enfrentados pelo programa Super Hornet foi a descoberta, durante o ano de 1997 (ano em que a McDonnell foi absorvida pela Boeing), do efeito “wing drop” em ângulos de ataque médios. Este problema foi largamente explorado pela imprensa na época. As soluções paliativas surgiram a partir de 1999, antes no início das avaliações e testes operacionais (OPVAL), e as soluções definitivas vieram em 2003-2004, sendo que toda a frota até então existente recebeu as modificações (“retrofit”).
Mas foi durante a campanha OPVAL, realizada pelo esquadrão de testes e avaliação VX-9, baseado em NAS (Naval Air Station) China Lake (Califórnia), que se descobriu a principal deficiência do Super Hornet. O problema foi detectado durante os testes de certificação de armamentos. Não havia espaço suficiente entre os cabides das asas para garantir uma separação segura dos armamentos em relação à aeronave – mesmo o espaço entre o cabine interno e a fuselagem não era suficiente para tanto. Por este motivo, foram criadas restrições em relação ao emprego conjunto de armamentos. Em março de 2000, o comitê das Forças Armadas do Senado norte-americano divulgou um documento baseado nos relatórios do NAVAIR. O documento destacava o seguinte trecho:
“Air-to-air missiles could not be employed if they were on a store station adjacent to air-to-ground ordnance. Numerous munitions could be carried and/or employed only from selected stores stations, although the plan is to bear these munitions from other stations as well. Consequently, many of the load advantages planned for the F/A-18E/F were not demonstrated during OPVAL”
Em outras palavras, existia uma limitação quanto à combinação do armamento a ser empregado, exatamente algo que o Super Hornet deveria resolver em relação ao seu antecessor.
Como não havia mais sobra de espaço para afastar um cabide do outro, eles foram ligeiramente inclinados para fora, sendo que os cabides externos tiveram uma inclinação menor. Esta solução melhorou muito a separação dos armamentos, mas trouxe um inconveniente: a inclinação dos cabides oferecia certa resistência ao ar, provocando um arrasto indesejado. Com isso, o alcance do Super Hornet, um dos pilares do seu desenvolvimento, sofreu uma redução. Sem alternativas, a USN foi obrigada a “engolir” os cabides inclinados.
Algumas fontes também alegaram que a inclinação dos cabides reduzia a vida útil dos armamentos pela metade e aumentava a vibração sob as asas. Este último ponto foi detectado durante a OPVAL. Também foram detectados problemas de rachaduras em algumas peças das asas, algo que poderia comprometer a vida útil da célula, estimada em 6.000 horas. A Boeing assumiu o problema e estas partes foram substituídas por outras de desenho completamente novo nas aeronaves em produção e as aeronaves mais antigas tiveram suas peças defeituosas substituídas.
Um leitor mais desavisado pode se surpreender com estes problemas ocorridos ao longo do desenvolvimento do Super Hornet, mas eles são bastante comuns em outros projetos espalhados pelo mundo. A diferença é que, na cultura norte-americana, existe o compromisso de trazer os problemas das Forças Armadas à luz da opinião pública, além de um debate construtivo e de alto nível dentro do Legislativo.
De qualquer forma, os resultados levantados pelo VX-9 apontaram para a introdução do caça no setor operativo da USN. O VFA-115 foi escolhido para ser o primeiro esquadrão operacional de F/A-18 E/F da USN. A transição de Hornet para Super Hornet ocorreu ao longo do ano de 2001 e em julho de 2002 os “Eagles” embarcaram para a sua primeira missão no mar, e não foi exatamente um exercício de rotina: de cara, o recém reequipado esquadrão foi empregado em operações de combate real sobre o Afeganistão, mas isso já é uma outra história.
Fonte: Poder Aéreo
Foto: Google
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