A trágica história do Boeing menos voado do mundo
4 participantes
Página 1 de 1
A trágica história do Boeing menos voado do mundo
A trágica história do Boeing menos voado do mundo
O Boeing 707-220 “N7071″ da Braniff, em um voo de testes sobre o Estado de Washington. (Foto: Coleção The Boeing Company do Museum of Flight)
Geralmente os acidentes aéreos na aviação comercial acontecem quando a aeronave já se encontra operando há algum tempo por uma determinada companhia aérea; não raro ao final de sua vida útil, quando já passou por vários operadores e acumulou significativas horas de voos e ciclos de pressurização. Claro que isso não é uma regra. Aqui mesmo no Brasil tivemos a trágica perda do Boeing 737-8EH PR-GTD da Gol Linhas Aéreas que ao colidir em rota com um Embraer Legacy sobre o Estado do Mato Grosso, em 29 de setembro de 2006, tinha então apenas 234 horas de voo.
Mas o Boeing 707-227 N7071 da Braniff Airways nem mesmo chegou a ser entregue pela Boeing à companhia texana quando caiu próximo à cidade de Oso, Estado de Washington, em 19 de outubro de 1959, durante um voo de treinamento com pilotos da fabricante e da companhia aérea.
O N7071 era o primeiro dos únicos cinco 707-227 fabricados sob encomenda da Braniff. Tinha as mesmas dimensões externas da primeira versão do 707 (a 120), porém era motorizado com as mais potentes Pratt & Whitney PW JT-4A de até 15.800lbs. de empuxo (versão civil da J75). A Braniff tinha uma extensa rede de rotas na America Latina e muitos destes aeroportos, como o da Cidade do México, Bogotá e La Paz estavam localizados a grande altitude. Assim, a empresa norte-americana desejava uma aeronave dotada de maior potência, a fim de compensar a pouca densidade do ar e muitas vezes as altas temperaturas encontradas no verão, fatores estes que afetam negativamente o desempenho na decolagem. Tratava-se, como se percebe, de uma aeronave – assim como o DC-10-15 mais tarde – desenvolvida para típicas operações “hot and high”.
Tendo feito seu roll out dos hangares da fábrica da Boeing em Renton em 30 de abril de 1959, o N7071 (s/n 17691, l/n 45) fez seu primeiro voo com destino a Boeing Field em 11 de junho. A partir daí o ‘7071 cumpriu com uma série de voos de testes que tomaram apenas 65 horas – pois grosso modo a versão ‘200 era nada mais do que um Boeing 707-120 com motores mais potentes – ao fim dos quais obteve o certificado de homologação de tipo para esta nova versão do 707.
O primeiro Boeing 707-227 construído, o N7071, é visto aqui nas margens do Lago Washington, onde fica a fábrica de Renton, logo após seu roll out. (Foto: Coleção The Boeing Company do Museum of Flight)
Entretanto, o N7071 nunca chegaria a entrar em serviço regular nas linhas da Braniff. Em 19 de outubro de 1959, quando ainda pertencia legalmente a Boeing, a aeronave decolou de Boeing Field, às 14:51hs, para o que seria um voo de provas com tripulantes da fabricante e da companhia aérea sobre a região nordeste do Estado de Washington.
A bordo do clássico jato, um total de seis pessoas: o piloto em comando e instrutor da Boeing, Russel Baum; os comandantes da Braniff, John Berke e Frank Staley e o engenheiro de voo da Boeing, George Hagan – todos os quais pereceriam no acidente. Além deles, o F/E da Braniff, Pete Krause; o Diretor de Aviônicos, Fred Symmank; o piloto da Boeing, William Allsopp e o inspetor da FAA, W. H. Heubner – que felizmente sobreviveriam ao acidente.
Em determinada fase do voo Baum passou a colocar propositalmente o avião em dutch roll a fim de demonstrar as características de recuperação deste modo instável de voo. O dutch roll é inerente aos aviões com a asa enflechada e consiste em movimentos combinados no eixo vertical e longitudinal do avião, ocasionados por turbulência ou por atuação exagerada do leme e que, se não corrigidos, podem tornar-se cada vez mais intensos, levando a perda do controle.
Entretanto, Baum passou a realizar manobras cada vez mais acentuadas, fora do limite previsto no manual de voo, com ângulos de inclinação lateral que passaram de 25º. O resultado foi o aumento das oscilações, até que o N7071 rolou rapidamente para a direita em um ângulo de 90º. Logo após, a aeronave virou para a esquerda e chegou a ficar de dorso, até que Baum conseguiu recuperar a trajetória.
A seção traseira da fuselagem e cauda do N7071 – onde se encontravam os quatro tripulantes sobreviventes – na margem do Rio Stillaguamish. (Foto: Boeing Historical Archives)
Mas no cockpit os indicadores mostravam perda de potência em três dos quatro motores. Também pudera: na verdade, com os movimentos bruscos, os motores 1, 2 e 4 haviam se separado do pylon! Além disso, momentos depois, Allsopp reportou a Baum que havia fogo na asa, próximo ao motor n. 2.
Desesperado e com o avião perdendo altitude, Baum passou a procurar uma área para um pouso de emergência sobre a região parcamente habitada, coberta de florestas de pinheiros que sobrevoavam. Entrementes, os quatro tripulantes que não estavam no cockpit tomaram posições de impacto na seção traseira da aeronave.
Já próximo ao solo e com o fogo consumindo boa parte da asa, o planador em que havia se transformado o 707 atingiu a copa das árvores, caindo na margem esquerda do Rio Stillaguamish, a 0.8km da pequena cidade de Oso.
Com o impacto, a cauda e a seção traseira da fuselagem se desprenderam, justamente onde se encontravam- os sobreviventes, mas o resto da aeronave explodiu.
As primeiras pessoas a chegar ao local do acidente foram habitantes das proximidades que haviam visto assustadas o 707 pegando fogo passar sobre a região e, logo a seguir, escutado o estrondo do impacto, seguido de seis a oito explosões e enormes labaredas. Os quatro sobreviventes conseguiram escapar com ferimentos leves pela porta traseira direita do N7071 e foram levados ao hospital da cidade de Arlington.
A edição de 20 de dezembro de 1959 do jornal The Seattle Times, com a reportagem sobre a queda do N7071. (Coleção Marcelo Magalhães) Clique na imagem para acessar o arquivo em PDF.
O relatório final atestou como provável causa do acidente “falha estrutural ocasionada durante uma tentativa imprópria de recuperação de Duch Roll que excedeu os limites de ângulo de inclinação lateral prescritos pela fabricante.”
O N7071 contava então com apenas 173 horas de voo totais. Foi até hoje – felizmente – a única aeronave a jato comercial da Boeing a ser perdida antes da entrega ao comprador (em 1939 um Boeing 307 Stratoliner caiu em um voo de demonstração com pilotos da Boeing e da KLM).
Como resultado desse acidente e também dos voos de certificação do 707-420 (versão intercontinental equipada com motores Rolls Royce Conway), a Boeing decidiu aumentar a altura da cauda de todos os 707 (bem como dos KC-135) em cerca de 89cm e adicionar uma quilha ventral, abaixo da cauda – medidas estas destinadas a melhorar o controle lateral do avião em caso de regime de potência assimétrica e impedir uma sobre rotação na decolagem.
Fonte: Cavok
O Boeing 707-220 “N7071″ da Braniff, em um voo de testes sobre o Estado de Washington. (Foto: Coleção The Boeing Company do Museum of Flight)
Geralmente os acidentes aéreos na aviação comercial acontecem quando a aeronave já se encontra operando há algum tempo por uma determinada companhia aérea; não raro ao final de sua vida útil, quando já passou por vários operadores e acumulou significativas horas de voos e ciclos de pressurização. Claro que isso não é uma regra. Aqui mesmo no Brasil tivemos a trágica perda do Boeing 737-8EH PR-GTD da Gol Linhas Aéreas que ao colidir em rota com um Embraer Legacy sobre o Estado do Mato Grosso, em 29 de setembro de 2006, tinha então apenas 234 horas de voo.
Mas o Boeing 707-227 N7071 da Braniff Airways nem mesmo chegou a ser entregue pela Boeing à companhia texana quando caiu próximo à cidade de Oso, Estado de Washington, em 19 de outubro de 1959, durante um voo de treinamento com pilotos da fabricante e da companhia aérea.
O N7071 era o primeiro dos únicos cinco 707-227 fabricados sob encomenda da Braniff. Tinha as mesmas dimensões externas da primeira versão do 707 (a 120), porém era motorizado com as mais potentes Pratt & Whitney PW JT-4A de até 15.800lbs. de empuxo (versão civil da J75). A Braniff tinha uma extensa rede de rotas na America Latina e muitos destes aeroportos, como o da Cidade do México, Bogotá e La Paz estavam localizados a grande altitude. Assim, a empresa norte-americana desejava uma aeronave dotada de maior potência, a fim de compensar a pouca densidade do ar e muitas vezes as altas temperaturas encontradas no verão, fatores estes que afetam negativamente o desempenho na decolagem. Tratava-se, como se percebe, de uma aeronave – assim como o DC-10-15 mais tarde – desenvolvida para típicas operações “hot and high”.
Tendo feito seu roll out dos hangares da fábrica da Boeing em Renton em 30 de abril de 1959, o N7071 (s/n 17691, l/n 45) fez seu primeiro voo com destino a Boeing Field em 11 de junho. A partir daí o ‘7071 cumpriu com uma série de voos de testes que tomaram apenas 65 horas – pois grosso modo a versão ‘200 era nada mais do que um Boeing 707-120 com motores mais potentes – ao fim dos quais obteve o certificado de homologação de tipo para esta nova versão do 707.
O primeiro Boeing 707-227 construído, o N7071, é visto aqui nas margens do Lago Washington, onde fica a fábrica de Renton, logo após seu roll out. (Foto: Coleção The Boeing Company do Museum of Flight)
Entretanto, o N7071 nunca chegaria a entrar em serviço regular nas linhas da Braniff. Em 19 de outubro de 1959, quando ainda pertencia legalmente a Boeing, a aeronave decolou de Boeing Field, às 14:51hs, para o que seria um voo de provas com tripulantes da fabricante e da companhia aérea sobre a região nordeste do Estado de Washington.
A bordo do clássico jato, um total de seis pessoas: o piloto em comando e instrutor da Boeing, Russel Baum; os comandantes da Braniff, John Berke e Frank Staley e o engenheiro de voo da Boeing, George Hagan – todos os quais pereceriam no acidente. Além deles, o F/E da Braniff, Pete Krause; o Diretor de Aviônicos, Fred Symmank; o piloto da Boeing, William Allsopp e o inspetor da FAA, W. H. Heubner – que felizmente sobreviveriam ao acidente.
Em determinada fase do voo Baum passou a colocar propositalmente o avião em dutch roll a fim de demonstrar as características de recuperação deste modo instável de voo. O dutch roll é inerente aos aviões com a asa enflechada e consiste em movimentos combinados no eixo vertical e longitudinal do avião, ocasionados por turbulência ou por atuação exagerada do leme e que, se não corrigidos, podem tornar-se cada vez mais intensos, levando a perda do controle.
Entretanto, Baum passou a realizar manobras cada vez mais acentuadas, fora do limite previsto no manual de voo, com ângulos de inclinação lateral que passaram de 25º. O resultado foi o aumento das oscilações, até que o N7071 rolou rapidamente para a direita em um ângulo de 90º. Logo após, a aeronave virou para a esquerda e chegou a ficar de dorso, até que Baum conseguiu recuperar a trajetória.
A seção traseira da fuselagem e cauda do N7071 – onde se encontravam os quatro tripulantes sobreviventes – na margem do Rio Stillaguamish. (Foto: Boeing Historical Archives)
Mas no cockpit os indicadores mostravam perda de potência em três dos quatro motores. Também pudera: na verdade, com os movimentos bruscos, os motores 1, 2 e 4 haviam se separado do pylon! Além disso, momentos depois, Allsopp reportou a Baum que havia fogo na asa, próximo ao motor n. 2.
Desesperado e com o avião perdendo altitude, Baum passou a procurar uma área para um pouso de emergência sobre a região parcamente habitada, coberta de florestas de pinheiros que sobrevoavam. Entrementes, os quatro tripulantes que não estavam no cockpit tomaram posições de impacto na seção traseira da aeronave.
Já próximo ao solo e com o fogo consumindo boa parte da asa, o planador em que havia se transformado o 707 atingiu a copa das árvores, caindo na margem esquerda do Rio Stillaguamish, a 0.8km da pequena cidade de Oso.
Com o impacto, a cauda e a seção traseira da fuselagem se desprenderam, justamente onde se encontravam- os sobreviventes, mas o resto da aeronave explodiu.
As primeiras pessoas a chegar ao local do acidente foram habitantes das proximidades que haviam visto assustadas o 707 pegando fogo passar sobre a região e, logo a seguir, escutado o estrondo do impacto, seguido de seis a oito explosões e enormes labaredas. Os quatro sobreviventes conseguiram escapar com ferimentos leves pela porta traseira direita do N7071 e foram levados ao hospital da cidade de Arlington.
A edição de 20 de dezembro de 1959 do jornal The Seattle Times, com a reportagem sobre a queda do N7071. (Coleção Marcelo Magalhães) Clique na imagem para acessar o arquivo em PDF.
O relatório final atestou como provável causa do acidente “falha estrutural ocasionada durante uma tentativa imprópria de recuperação de Duch Roll que excedeu os limites de ângulo de inclinação lateral prescritos pela fabricante.”
O N7071 contava então com apenas 173 horas de voo totais. Foi até hoje – felizmente – a única aeronave a jato comercial da Boeing a ser perdida antes da entrega ao comprador (em 1939 um Boeing 307 Stratoliner caiu em um voo de demonstração com pilotos da Boeing e da KLM).
Como resultado desse acidente e também dos voos de certificação do 707-420 (versão intercontinental equipada com motores Rolls Royce Conway), a Boeing decidiu aumentar a altura da cauda de todos os 707 (bem como dos KC-135) em cerca de 89cm e adicionar uma quilha ventral, abaixo da cauda – medidas estas destinadas a melhorar o controle lateral do avião em caso de regime de potência assimétrica e impedir uma sobre rotação na decolagem.
Fonte: Cavok
Amilckar- Colaborador - Notícias de aviação
-
Inscrito em : 12/10/2009
Mensagens : 11036
Reputação : 512
Idade : 59
Simulador preferido : P3D V3
Emprego/lazer : Militar aposentado
Nacionalidade :
Re: A trágica história do Boeing menos voado do mundo
Quem foi que disse q VV não era cultura nem informação?
Parabéns pela divulgação da matéria...
Parabéns pela divulgação da matéria...
_________________
Porque antes de se espatifar no chão, agente aperta "reset"
Acompanhe meu canal no Youtube: www.youtube.com/flightsimhost
Windows 10 64 Bits, MOBO Gigabyte Z270XP SLI, I7 7700k Kaby Lake 4,6Ghz OC 5.0Ghz, NVidia GTX1070 256bits, 8Gb DDR5, 32GB RAM DDR4 2400Ghz OC 3000GhZ, 02 SSD Samsung 120GB, 01 SSD 960 PRO NVMe M.2 512GB, HidroCooler H75,
jpkosta- Major
-
Inscrito em : 27/08/2009
Mensagens : 401
Reputação : -16
Idade : 45
Simulador preferido : Prepar3D
Emprego/lazer : Administrador
Nacionalidade :
Re: A trágica história do Boeing menos voado do mundo
Gosto deste tipo de matérias, parabéns!
_________________
Intel Core i7 14700kf 5.6GHz - Water Cooler Corsair H100i - Asus TUF GAMING Z690-PLUS D4 - 32GB DDR4 3200MHz Corsair Vengeance LPX - GeForce RTX 3080 VISION OC 10G - SSD Crucial P5 Plus 500GB Windows 10 Pro - 2 x Corsair MP600 PRO XT 1TB RAID 0 - Microsoft Flight Simulator 2020 - Fonte Cooler Master MWE Gold V2 1250W - Thrustmaster TCA Captain Pack Airbus Edition + Rudder Pedals - TrackIR 5
Bruno Aquino- Tenente-Coronel
-
Inscrito em : 29/07/2011
Mensagens : 853
Reputação : 42
Idade : 44
Simulador preferido : MSFS
Emprego/lazer : Analista de Sistemas
Nacionalidade :
Tópicos semelhantes
» 10 ataques aéreos que mudaram a história do mundo
» A história do Boeing 247
» [Internacional] Boeing, motores mais eficientes e menos gastos.
» [Internacional]OMC confirma pelo menos US$ 5,3 bilhões em subsídios dos EUA à Boeing
» TRIP - A história por quem ajudou a escrever a história
» A história do Boeing 247
» [Internacional] Boeing, motores mais eficientes e menos gastos.
» [Internacional]OMC confirma pelo menos US$ 5,3 bilhões em subsídios dos EUA à Boeing
» TRIP - A história por quem ajudou a escrever a história
Página 1 de 1
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos