Tipos e situações estranhos
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Tipos e situações estranhos
Tipos e situações estranhos
Há tipos humanos estranhos, como sabemos, por toda a parte. Em qualquer ramo de atividade, em qualquer conglomerado de pessoas, sempre poderemos encontrar tipos que fogem à regra, que se destacam pelo bem ou pelo mal, que podem causar estranheza ou simples curiosidade, É o caso, por exemplo, de um piloto que conheci e que voou um certo tempo na VARIG. Ele já tinha alguma idade, era afável e bem relacionado, e começara sua carreira aeronáutica como “Comissário” num hidroavião Sikorsky da antiga NYRBA (Nyc-Rio-Buenos Aires), empresa que percorria as três Américas, pousando e pernoitando pelo caminho onde houvesse água adequada, e levando mais de uma semana para chegar ao destino final. Como esse avião voava através da Américas, a companhia passou a chamar-se, após algum tempo, Pan American Airways. O Comissário em questão, na época era mais um criado (Steward) do que um aeronauta, que em retribuição a seus serviços (que não incluíam refeições) recebia gordas gorjetas dos poucos e agradecidos passageiros. Juntou assim algum dinheiro, e no fim da IIa Guerra comprou um velho hidroavião “Catalina” sobra-de-guerra da Marinha Norte-Americana.
Com esse avião o ex-Comissário, que tinha algum treinamento de pilotagem de hidroaviões, começou a voar ao longo do litoral brasileiro, nos estados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo, sem qualquer padrão elogiável de operação, como um verdadeiro “pirata” alado, sem regras e regulamentos, sem controles e sem manutenção. Seu avião era desprovido de qualquer conforto, e os eventuais passageiros certamente sentavam-se no chão, pois não havia poltronas. Os passageiros eram arrebanhados em cada porto, talvez catequizados a voarem de um lugar para o outro, pagando tarifas que eram na base de perguntar: “Quanto você tem no bolso ?” – “Está bem, então entre !”.
Um dia essa atividade cessou. Aquele Catalina não sobrevoou mais as costas brasileiras. Ele e seu piloto haviam simplesmente sumido! Desapareceram, ninguém sabe como ou porque. Após algum tempo, porem, o “corsário” dos ares apareceu voando um velho C-47 entre as cidades de Florianópolis, Itajaí, Blumenau e Joinville, transportando confiantes passageiros, novamente sem normas, regulamentos, padrões, manutenção. Mas isso durou pouco, pois de repente, outra vez, desapareceram piloto, avião e passageiros, sem que se saiba a causa do sumiço. O velho corsário, porem, tornou a aparecer, outra vez por pouco tempo. E onde? Dessa vez, sem avião, como piloto da RG, também não se sabe como conseguiu. Para onde foi? Que foi feito dele e de seus velhos aviões? Não se sabe! Eles apareciam e sumiam sem quê nem prá quê. Seriam assombração?
Houve, quando eu labutava na oficina de revisão de motores da RG, lá pelo ano de 1942, um Mestre Mecânico, Chefe da oficina, nascido na Alemanha, e cujo mister era orientar os 4 ou 5 mecânicos que ali trabalhavam (inclusive eu), ensinando como fazermos as diversas operações, e utilizando métodos didáticos próprios e, como veremos, eficientes. Ele falava o alemão com todos, menos eu, que só sabia falar meu português e um pouquinho de inglês. De sua parte, aparentemente, as únicas palavras que sabia dizer num português quase ininteligível, eram “não bom!”, quando não gostava do que eu fizera. Aí tirava as ferramentas de minhas mãos e executava ele mesmo a tarefa, na esperança de que eu aprendesse.
Um dia eu estava trabalhando com um punção e um martelo, segurando o cabo do martelo mais ou menos na metade. O Mestre chegou-se para o meu lado, com seu caminhar bamboleante característico, com as mãos nas costas e um lápis no bolso de seu “guarda-pó” branco. Olhou o que eu fazia, sem qualquer expressão, e disse: “Não bom !” Em seguida tirou o lápis do bolso e riscou o cabo do martelo na altura em que eu o segurava; foi buscar um serrote e, tirando o martelo de minhas mãos serrou o cabo onde riscara, reduzindo-o em cerca de 5 centímetros, e afastou-se sem qualquer comentário, bamboleando-se e com as mãos nas costas.
Pois eu entendi, aprendi a lição e nunca a esqueci: Não se segura o cabo de um martelo pela metade ! Sempre pela extremidade. Foi ou não foi um bom e eficiente processo de ensino?
Quando estivemos em Roma levando o Presidente JK, fizemos, nós da VARIG, um pouco de turismo, pois tínhamos tempo, já que JK passara para o avião da PANAIR. Entre outras coisas da famosa cidade, fomos ao Vaticano onde visitamos a Basílica de São Pedro. Eu levava uma pequena filmadora de 8 mm, porem não pude filmar dentro da igreja, pois isso era proibido. Para guardar uma lembrança da visita, porem, resolvi filmar uma cena de mim e meu Chefe Berta saindo da Basílica e descendo uma escadaria que havia na frente. Mas era necessário que outra pessoa filmasse, pois eu estaria na cena ao lado de Berta. Assim, pedi um de nossos tripulantes que andava por li, que nos filmasse saindo da igreja e descendo a escada, e assim foi feito. O rapaz, porem, segurou a câmara de cabeça para baixo e eu só notei que nós aparecíamos descendo a escada nessa posição invertida, após revelado o filme.
Quando, em casa, fui “editar” o filme da viagem, resolvi colocar aquela cena em posição invertida, de forma a que não aparecêssemos descendo a escadaria, de cabeça para baixo. E assim ficou o filme. Só que, naquela operação de inverter tudo, nós aparecíamos, eu e Berta, subindo as escadas, de costas, e não descendo, de frente. Isso fazia com que as pessoas (amigos) que viam o filme perguntassem porque nós tínhamos subido as escadas caminhando para trás!?
E eu, então, respondia: “Foi para pagar uma promessa que havíamos feito!”
Meu Chefe também fazia da suas. Numa ocasião ele participava de um vôo num Curtiss C-46 “de luxo”, com destino a Buenos Aires, repleto de figuras importantes do Brasil, do Uruguay e da Argerntina, que participavam, a convite da VARIG, da inauguração de nossa linha para BUE. Haviam decolado de Montevidéo, subido para uma altitude designada e, sob o comando do saudoso Cmte. Carta, aproado BUE. Naquela altitude havia uma formação de nuvens tipo estrato-cúmulus, e isso fazia com que o avião desse suas sacolejadas de vez em quando. Berta, preocupado com o bem estar de seus convidados VIP, invadiu a cabine de comando e ficou de pé junto a Carta, olhando para a frente, onde se divisavam algumas nuvens. Então olhou as tais nuvens e disse “Carta, faz uma curvinha para a direita e desvia dessas nuvens!” – o que o piloto fez, pacientemente. Em seguida surgiram mais e mais nuvens, e sempre Berta “pedia” ao piloto que desviasse delas.
Ao cabo de alguns minutos surgiu na proa uma grande cidade. Berta, surpreso, perguntou: “Mas que cidade é essa? Não parece Buenos Aires!”, ao que Carta respondeu: “É Montevidéo!”, e Berta: “Montevideo ? Mas nós acabamos de sair de lá ! Como pode ser isso ?” Carta, pacientemente, deu a resposta: “Não sei ! O senhor é que está pilotando; não sou eu !”
Berta, um pouco desconcertado (só um pouco, pois ele não se desconcertava facilmente!), retirou-se para a cabine de passageiros e não voltou mais até Buenos Aires.
Quando já tínhamos recebido os 707, os Coronado e os Electra II, houve um momento em que tornou-se conveniente vender o mundareo de aviões que tínhamos nos pátios, sem utilização, tais como os C-47, C46, Convair, Superconstellations G da RG e H da Real e Caravelles. Havia na época um ex-piloto da RAF, que combatera na guerra mas ainda jovem, simpático e bem apessoado, que casara com uma linda loira, filha de um rico banqueiro americano. Com o dinheiro da mulher, provavelmente, esse rapaz se estabelecera nos USA com uma firma que intermediava a venda de aviões civis, numa época em que havia pelo mundo muitos aviões a hélice que estavam sendo substituídos pelos jatos. Ainda havia preços razoáveis para determinados modelos de aviões, e a época de vendê-los era agora, pois amanhã talvez não houvesse mais procura. A Real tivera Convairs 340 e 440, que valiam mais do que os 240 da RG; os seus Super H também valiam mais do que os G da VARIG, pois tinham portas largas e soalho reforçado, o que os qualificavam para o transporte de carga, o que representava um tipo de negócio que prometia muito sucesso.
Assim sendo, a VARIG encarregou o ex-piloto da RAF de vender todos esses aviões mediante uma comissão, o que ele em última análise fez a contento. Numa dessas vendas aconteceu um pequeno incidente que me foi relatado por ele mesmo, pois eu chegara a manter certas relações com ele e sua linda esposa, inclusive convidando-os para almoçar em minha residência, quando tiveram oportunidade de conhecer e gostar da comida gaúcha.
Ocorrera o seguinte: Ele soubera que um sheik das arábias, cheio de petro-dólares, decidira comprar um avião para levar suas 40 ou 50 esposas a Paris ou Londres, duas ou mais vezes ao ano, para espairecerem e fazerem compras. O vendedor viajou então para o emirado a fim de oferecer um de nossos Caravelles ao tal sheik. Durante as negociações, porem, o sheik encantou-se com a loira e manifestou sérias intenções de comprá-la, também, junto com o avião, não sendo bem sucedido e ficando afinal somente com o Caravelle, sem a loira!
Quando viajamos pela Europa com JK, nosso grupo variguiano (nós éramos uns dez ou doze gaúchos relativamente “grossos”) tudo deslumbrava, e uma das coisas que mais queríamos sempre fazer era provar as delícias da comida típica de cada país ou região que visitávamos. Certa ocasião, em Luxemburgo, sentamo-nos a uma mesa grande, dispostos e saborear a comida que poderíamos escolher nesse restaurante chique e conceituado em que estávamos.
Quando vieram os garçons receber nossas ordens, cada um de nós, tentando decifrar laboriosamente aqueles cardápios escritos em francês, demorou para se decidir, o que fez Ruben Berta ficar nervoso com a demora, pois deveríamos, após o almoço, seguir para o aeroporto para chegar ao mesmo antes de JK e sua comitiva. Berta, impaciente com a demora e não mais se contendo, gritou para os garçons – que certamente nada entenderam – sua decisão ante aquela indecisão, para resolver a questão sem delongas, e a seu gosto: “Bife com ovos para todo o mundo!” – e sentou-se satisfeito.
Quando estivemos na Alemanha (na cidade de Colônia, onde seríamos homenageados pela Lufthansa, nossa velha aliada dos tempos primitivos), saí a caminhar pela cidade, acompanhado por um colega. Alem de meu português, eu falava um inglês meio estropiado mas inteligível; Meu colega falava fluentemente o alemão de nossas colônias gaúchas, mas que os de lá entendiam perfeitamente. No passeio, chegamos defronte de uma relojoaria onde paramos defronte à vitrine. Eu sempre gostara de relógios, e fiquei encantado por um anel com reloginho que estava exposto. Decidi entrar e perguntar o preço, pois gostaria de levar o anel para minha mulher, pela originalidade, pois era a primeira vez que eu via um anel com relógio.
Entramos na loja e fomos recebidos por um alemão de meia idade, um tanto carrancudo. Usando meu melhor inglês, disse-lhe que me interessava pelo tal anel com relógio, que vira na vitrine, do qual gostaria de saber o preço. O alemão fechou ainda mais a cara e disse algo, de má vontade, que eu naturalmente não entendi. Meu companheiro, porem, entendeu e traduziu para mim: “Ele disse que não vende nada para quem fala inglês!
Fiquei irritado com a resposta sem cabimento do alemão. Ele certamente vivera a época da guerra, quando sua cidade fora terrivelmente bombardeada pelos ingleses e americanos, e agora vingava-se dessa forma contra nós que nada tínhamos a ver com os bombardeios. Apesar de minha irritação, eu desejava o anel, e então pedi a meu colega que explicasse ao alemão quem nós éramos, e que nada tínhamos a ver com ingleses ou americanos, salvo o uso eventual de sua língua pois era a única forma de nos entendermos, já que eu não falava o alemão, nem ele o português.
Dadas as devidas explicações, o alemão afinal concordou em vender o anel, que eu comprei e trouxe para POA, para os dedos de minha esposa. Nessa época os japoneses ainda não tinham inventado o relógio a pilha, e por isso o reloginho do anel era daqueles tradicionais, de dar corda todos os dias. Isso não causou estranheza, pois era o usual.
Com o falecimento de minha esposa Cecília, o anel ficou para minha filha Beatriz. Esta, porem, deu-o para a sua filha, minha neta Sandra, que é da geração dos relógios a pilha, e que não imaginava que
um dia de antanho os relógios não tivessem pilha. Assim, quando ganhou o reloginho e viu que ele estava parado, disse: “Mãe, ele está parado ! Tem que trocar a pilha !” O relógio ouviu e não gostou ! Se pudesse falar, teria dito, alto e bom som: “Tem que dar corda, menina ! Tem que dar corda !!”
http://cmtebordini.blogspot.com.br/2012/06/35-tipos-e-situacoes-estranhos.html
Há tipos humanos estranhos, como sabemos, por toda a parte. Em qualquer ramo de atividade, em qualquer conglomerado de pessoas, sempre poderemos encontrar tipos que fogem à regra, que se destacam pelo bem ou pelo mal, que podem causar estranheza ou simples curiosidade, É o caso, por exemplo, de um piloto que conheci e que voou um certo tempo na VARIG. Ele já tinha alguma idade, era afável e bem relacionado, e começara sua carreira aeronáutica como “Comissário” num hidroavião Sikorsky da antiga NYRBA (Nyc-Rio-Buenos Aires), empresa que percorria as três Américas, pousando e pernoitando pelo caminho onde houvesse água adequada, e levando mais de uma semana para chegar ao destino final. Como esse avião voava através da Américas, a companhia passou a chamar-se, após algum tempo, Pan American Airways. O Comissário em questão, na época era mais um criado (Steward) do que um aeronauta, que em retribuição a seus serviços (que não incluíam refeições) recebia gordas gorjetas dos poucos e agradecidos passageiros. Juntou assim algum dinheiro, e no fim da IIa Guerra comprou um velho hidroavião “Catalina” sobra-de-guerra da Marinha Norte-Americana.
Com esse avião o ex-Comissário, que tinha algum treinamento de pilotagem de hidroaviões, começou a voar ao longo do litoral brasileiro, nos estados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo, sem qualquer padrão elogiável de operação, como um verdadeiro “pirata” alado, sem regras e regulamentos, sem controles e sem manutenção. Seu avião era desprovido de qualquer conforto, e os eventuais passageiros certamente sentavam-se no chão, pois não havia poltronas. Os passageiros eram arrebanhados em cada porto, talvez catequizados a voarem de um lugar para o outro, pagando tarifas que eram na base de perguntar: “Quanto você tem no bolso ?” – “Está bem, então entre !”.
Um dia essa atividade cessou. Aquele Catalina não sobrevoou mais as costas brasileiras. Ele e seu piloto haviam simplesmente sumido! Desapareceram, ninguém sabe como ou porque. Após algum tempo, porem, o “corsário” dos ares apareceu voando um velho C-47 entre as cidades de Florianópolis, Itajaí, Blumenau e Joinville, transportando confiantes passageiros, novamente sem normas, regulamentos, padrões, manutenção. Mas isso durou pouco, pois de repente, outra vez, desapareceram piloto, avião e passageiros, sem que se saiba a causa do sumiço. O velho corsário, porem, tornou a aparecer, outra vez por pouco tempo. E onde? Dessa vez, sem avião, como piloto da RG, também não se sabe como conseguiu. Para onde foi? Que foi feito dele e de seus velhos aviões? Não se sabe! Eles apareciam e sumiam sem quê nem prá quê. Seriam assombração?
Houve, quando eu labutava na oficina de revisão de motores da RG, lá pelo ano de 1942, um Mestre Mecânico, Chefe da oficina, nascido na Alemanha, e cujo mister era orientar os 4 ou 5 mecânicos que ali trabalhavam (inclusive eu), ensinando como fazermos as diversas operações, e utilizando métodos didáticos próprios e, como veremos, eficientes. Ele falava o alemão com todos, menos eu, que só sabia falar meu português e um pouquinho de inglês. De sua parte, aparentemente, as únicas palavras que sabia dizer num português quase ininteligível, eram “não bom!”, quando não gostava do que eu fizera. Aí tirava as ferramentas de minhas mãos e executava ele mesmo a tarefa, na esperança de que eu aprendesse.
Um dia eu estava trabalhando com um punção e um martelo, segurando o cabo do martelo mais ou menos na metade. O Mestre chegou-se para o meu lado, com seu caminhar bamboleante característico, com as mãos nas costas e um lápis no bolso de seu “guarda-pó” branco. Olhou o que eu fazia, sem qualquer expressão, e disse: “Não bom !” Em seguida tirou o lápis do bolso e riscou o cabo do martelo na altura em que eu o segurava; foi buscar um serrote e, tirando o martelo de minhas mãos serrou o cabo onde riscara, reduzindo-o em cerca de 5 centímetros, e afastou-se sem qualquer comentário, bamboleando-se e com as mãos nas costas.
Pois eu entendi, aprendi a lição e nunca a esqueci: Não se segura o cabo de um martelo pela metade ! Sempre pela extremidade. Foi ou não foi um bom e eficiente processo de ensino?
Quando estivemos em Roma levando o Presidente JK, fizemos, nós da VARIG, um pouco de turismo, pois tínhamos tempo, já que JK passara para o avião da PANAIR. Entre outras coisas da famosa cidade, fomos ao Vaticano onde visitamos a Basílica de São Pedro. Eu levava uma pequena filmadora de 8 mm, porem não pude filmar dentro da igreja, pois isso era proibido. Para guardar uma lembrança da visita, porem, resolvi filmar uma cena de mim e meu Chefe Berta saindo da Basílica e descendo uma escadaria que havia na frente. Mas era necessário que outra pessoa filmasse, pois eu estaria na cena ao lado de Berta. Assim, pedi um de nossos tripulantes que andava por li, que nos filmasse saindo da igreja e descendo a escada, e assim foi feito. O rapaz, porem, segurou a câmara de cabeça para baixo e eu só notei que nós aparecíamos descendo a escada nessa posição invertida, após revelado o filme.
Quando, em casa, fui “editar” o filme da viagem, resolvi colocar aquela cena em posição invertida, de forma a que não aparecêssemos descendo a escadaria, de cabeça para baixo. E assim ficou o filme. Só que, naquela operação de inverter tudo, nós aparecíamos, eu e Berta, subindo as escadas, de costas, e não descendo, de frente. Isso fazia com que as pessoas (amigos) que viam o filme perguntassem porque nós tínhamos subido as escadas caminhando para trás!?
E eu, então, respondia: “Foi para pagar uma promessa que havíamos feito!”
Meu Chefe também fazia da suas. Numa ocasião ele participava de um vôo num Curtiss C-46 “de luxo”, com destino a Buenos Aires, repleto de figuras importantes do Brasil, do Uruguay e da Argerntina, que participavam, a convite da VARIG, da inauguração de nossa linha para BUE. Haviam decolado de Montevidéo, subido para uma altitude designada e, sob o comando do saudoso Cmte. Carta, aproado BUE. Naquela altitude havia uma formação de nuvens tipo estrato-cúmulus, e isso fazia com que o avião desse suas sacolejadas de vez em quando. Berta, preocupado com o bem estar de seus convidados VIP, invadiu a cabine de comando e ficou de pé junto a Carta, olhando para a frente, onde se divisavam algumas nuvens. Então olhou as tais nuvens e disse “Carta, faz uma curvinha para a direita e desvia dessas nuvens!” – o que o piloto fez, pacientemente. Em seguida surgiram mais e mais nuvens, e sempre Berta “pedia” ao piloto que desviasse delas.
Ao cabo de alguns minutos surgiu na proa uma grande cidade. Berta, surpreso, perguntou: “Mas que cidade é essa? Não parece Buenos Aires!”, ao que Carta respondeu: “É Montevidéo!”, e Berta: “Montevideo ? Mas nós acabamos de sair de lá ! Como pode ser isso ?” Carta, pacientemente, deu a resposta: “Não sei ! O senhor é que está pilotando; não sou eu !”
Berta, um pouco desconcertado (só um pouco, pois ele não se desconcertava facilmente!), retirou-se para a cabine de passageiros e não voltou mais até Buenos Aires.
Quando já tínhamos recebido os 707, os Coronado e os Electra II, houve um momento em que tornou-se conveniente vender o mundareo de aviões que tínhamos nos pátios, sem utilização, tais como os C-47, C46, Convair, Superconstellations G da RG e H da Real e Caravelles. Havia na época um ex-piloto da RAF, que combatera na guerra mas ainda jovem, simpático e bem apessoado, que casara com uma linda loira, filha de um rico banqueiro americano. Com o dinheiro da mulher, provavelmente, esse rapaz se estabelecera nos USA com uma firma que intermediava a venda de aviões civis, numa época em que havia pelo mundo muitos aviões a hélice que estavam sendo substituídos pelos jatos. Ainda havia preços razoáveis para determinados modelos de aviões, e a época de vendê-los era agora, pois amanhã talvez não houvesse mais procura. A Real tivera Convairs 340 e 440, que valiam mais do que os 240 da RG; os seus Super H também valiam mais do que os G da VARIG, pois tinham portas largas e soalho reforçado, o que os qualificavam para o transporte de carga, o que representava um tipo de negócio que prometia muito sucesso.
Assim sendo, a VARIG encarregou o ex-piloto da RAF de vender todos esses aviões mediante uma comissão, o que ele em última análise fez a contento. Numa dessas vendas aconteceu um pequeno incidente que me foi relatado por ele mesmo, pois eu chegara a manter certas relações com ele e sua linda esposa, inclusive convidando-os para almoçar em minha residência, quando tiveram oportunidade de conhecer e gostar da comida gaúcha.
Ocorrera o seguinte: Ele soubera que um sheik das arábias, cheio de petro-dólares, decidira comprar um avião para levar suas 40 ou 50 esposas a Paris ou Londres, duas ou mais vezes ao ano, para espairecerem e fazerem compras. O vendedor viajou então para o emirado a fim de oferecer um de nossos Caravelles ao tal sheik. Durante as negociações, porem, o sheik encantou-se com a loira e manifestou sérias intenções de comprá-la, também, junto com o avião, não sendo bem sucedido e ficando afinal somente com o Caravelle, sem a loira!
Quando viajamos pela Europa com JK, nosso grupo variguiano (nós éramos uns dez ou doze gaúchos relativamente “grossos”) tudo deslumbrava, e uma das coisas que mais queríamos sempre fazer era provar as delícias da comida típica de cada país ou região que visitávamos. Certa ocasião, em Luxemburgo, sentamo-nos a uma mesa grande, dispostos e saborear a comida que poderíamos escolher nesse restaurante chique e conceituado em que estávamos.
Quando vieram os garçons receber nossas ordens, cada um de nós, tentando decifrar laboriosamente aqueles cardápios escritos em francês, demorou para se decidir, o que fez Ruben Berta ficar nervoso com a demora, pois deveríamos, após o almoço, seguir para o aeroporto para chegar ao mesmo antes de JK e sua comitiva. Berta, impaciente com a demora e não mais se contendo, gritou para os garçons – que certamente nada entenderam – sua decisão ante aquela indecisão, para resolver a questão sem delongas, e a seu gosto: “Bife com ovos para todo o mundo!” – e sentou-se satisfeito.
Quando estivemos na Alemanha (na cidade de Colônia, onde seríamos homenageados pela Lufthansa, nossa velha aliada dos tempos primitivos), saí a caminhar pela cidade, acompanhado por um colega. Alem de meu português, eu falava um inglês meio estropiado mas inteligível; Meu colega falava fluentemente o alemão de nossas colônias gaúchas, mas que os de lá entendiam perfeitamente. No passeio, chegamos defronte de uma relojoaria onde paramos defronte à vitrine. Eu sempre gostara de relógios, e fiquei encantado por um anel com reloginho que estava exposto. Decidi entrar e perguntar o preço, pois gostaria de levar o anel para minha mulher, pela originalidade, pois era a primeira vez que eu via um anel com relógio.
Entramos na loja e fomos recebidos por um alemão de meia idade, um tanto carrancudo. Usando meu melhor inglês, disse-lhe que me interessava pelo tal anel com relógio, que vira na vitrine, do qual gostaria de saber o preço. O alemão fechou ainda mais a cara e disse algo, de má vontade, que eu naturalmente não entendi. Meu companheiro, porem, entendeu e traduziu para mim: “Ele disse que não vende nada para quem fala inglês!
Fiquei irritado com a resposta sem cabimento do alemão. Ele certamente vivera a época da guerra, quando sua cidade fora terrivelmente bombardeada pelos ingleses e americanos, e agora vingava-se dessa forma contra nós que nada tínhamos a ver com os bombardeios. Apesar de minha irritação, eu desejava o anel, e então pedi a meu colega que explicasse ao alemão quem nós éramos, e que nada tínhamos a ver com ingleses ou americanos, salvo o uso eventual de sua língua pois era a única forma de nos entendermos, já que eu não falava o alemão, nem ele o português.
Dadas as devidas explicações, o alemão afinal concordou em vender o anel, que eu comprei e trouxe para POA, para os dedos de minha esposa. Nessa época os japoneses ainda não tinham inventado o relógio a pilha, e por isso o reloginho do anel era daqueles tradicionais, de dar corda todos os dias. Isso não causou estranheza, pois era o usual.
Com o falecimento de minha esposa Cecília, o anel ficou para minha filha Beatriz. Esta, porem, deu-o para a sua filha, minha neta Sandra, que é da geração dos relógios a pilha, e que não imaginava que
um dia de antanho os relógios não tivessem pilha. Assim, quando ganhou o reloginho e viu que ele estava parado, disse: “Mãe, ele está parado ! Tem que trocar a pilha !” O relógio ouviu e não gostou ! Se pudesse falar, teria dito, alto e bom som: “Tem que dar corda, menina ! Tem que dar corda !!”
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